domingo, 30 de setembro de 2012

In the shadows


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Só há um tipo de amor que dura. O amor não correspondido.
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Pense um pouco... somos dois estranhos no meio da noite, e tudo está calmo e silencioso. De repente a neblina cede um pouco e dá pra ver as estrelas. Este momento não parece perfeito? 
Mas passa rápido demais. Até a neblina está voltando. Tudo se movimenta o tempo todo. O movimento é constante. Não é de se estranhar que estou enjoado.
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Neblina e Sombras, Woody Allen

Ted Beer


A rotina de um exilado na Baixada de Jacarepaguá não é fácil. O Festival do Rio está do outro lado dessa cortina de pedra que isola o farwest do resto da cidade. Com Soderbergh e Wes Anderson tão distantes, só me sobrou um ursinho de pelúcia. O filme é uma curiosa amostra da infantilização de alguém oriundo dos anos 80 que, recheado de cultura nerd que se mistura ao espírito mulherengo, chapado e festeiro de um desbocado urso, tem muita dificuldade para entrar no corpo de um homem de mais de  30 anos. Também curiosa é a escolha do ator protagonista - Marky Mark dançando e cantando mal pode ser encarado como metalinguagem sobre os anos 90, de onde ele é oriundo. Mais curioso ainda é, para um homem de 44 anos que assiste sozinho ao filme, ver o Wahlberg se lamentando porque tudo que ele tem é um amigo de 25 anos e a companhia de, apenas, a Mila Kunis. Como a vida pode ser difícil, rapaz...

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Setembros


Havia um pequeno parque, repleto de brinquedos coloridos, protegido pelas sombras das árvores, onde pousavam pássaros robustos de peito alaranjado, pequenas lavadeiras saltitantes, bentevis animados. Por vezes, aves de longas caudas cortavam o espaço; não menos raro, gaviões circundavam pelo entorno. Com um grande portão de entrada, ele me recebeu várias manhãs. Ao atravessar, eu agradecia a existência de um lugar que procurei por tanto tempo, e que achei que fosse carregar comigo por bem mais.
Olhando através da parede envidraçada do alto do prédio principal, o parque se fazia presente como um mosaico de um colorido disforme. Os ruídos se alteravam, e a calma se ocupava de agitação. Lecionar não é pra qualquer um. A ambição precisa estar em outro lugar; as relações de troca não se dão em moedas correntes. Os desafios são de outra monta, e demandam um tempo que o nosso tempo não nos dá. Mas ali, olhando pelo corredor os tons infantis de azuis e vermelhos que atravessavam o vidro, era possível vislumbrar um lugar que o tempo, e os desejos, corriam de outra maneira.
Longe do continente, é como viver um outro mundo. Como em uma pequena cidade de relações tão próximas, as rotinas de um professor são feitas de horários flutuantes e encontros constantes. Assim estou há onze anos. Foi num Setembro já um tanto distante que tudo começou, com a mudança pra cá e a nova profissão. Começo a me despedir de muita coisa. O parque já não é mais o mesmo. Corroído pelo tempo, seus esqueletos expõem abandono. As copas de suas árvores foram violentadas, e os pequenos traços de sombra sobreviventes são incapazes de conter o sol que nos castiga. Debaixo de tanto calor, recebo a notícia de que, em breve, seus portões se fecharão definitivamente pra mim. Hora de procurar outro lugar. Pra quem, como em música do Tim Maia, não precisa de muita coisa, houve um momento que achei que já tinha demais. Mas são outros tempos. Como tudo que é sólido se desmancha no ar, hora de caminhar. Novos horizontes se apresentam e, ao que tudo parece, os Setembros não se farão mais como antigamente.

domingo, 16 de setembro de 2012

Babel tales


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História seria algo maravilhoso - tão somente fosse verdadeira
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Leon Tostoi
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Tradução de O Globo para epígrafe de Peter Funch encontrável em seu sítio para "The Great Depression and Other Stories". A imagem acima faz parte do trabalho Babel Tales.

Espelhos


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Temos muitas opiniões sensatas, repetimos muitas palavras de ordem, mas saber quem somos realmente é do departamento das coisas vividas. A maioria de nós optou pela boa conduta, e divulga isso em conversas, discursos, blogs e demais recursos de autopromoção, mas o que somos, de fato, revela-se nas atitudes, principalmente nas inesperadas.
É você. É sempre 100% você. Um você que não constava da cartilha que você decorou. Um você que não estava previsto no seu manual de boas maneiras. Um você que não havia se dado as caras antes. Um você que talvez lhe assombre por ser você mesmo pela primeira vez.
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Martha Medeiros
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Trecho adaptado de texto publicado em O Globo de 16.09.12.
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Ouço tantos que apresentam, e gostam de apresentar, uma outra face que, mesmo que aparentemente não tão digna, é sempre charmosa, vencedora, justificável. Ter um Shrek dentro de si e levá-lo pra passear é relativamente fácil. Eu queria ver alguém exibir pra vizinhança o monstro disforme, o verme desprezível que habita as entranhas, e que vez ou outra precisamos alimentar.

sábado, 15 de setembro de 2012

Sombras



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Nossas cantoras não ateiam fogo às vestes quando são abandonadas pelos amantes, não se descabelam, não sofrem ao microfone. Elas não querem correr riscos, querem ser cool. Amy Winehouse sabia que onde não há dor não há ganho. Com homens e bandas, aqui e alhures, não é diferente. A impressão é a de que a sociedade ocidental hoje tem imensa dificuldade de se relacionar com as sombras. Entrou numa viagem sem volta de Prozac. Claro, a morte está aí, mas a turma olha pro outro lado e pede pra não beijar na boca.
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Arthur Dapieve
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Trecho adaptado de texto publicado em O Globo de 14.09.12, como pode ser lido aqui.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Cosmópolis



Cosmópolis, de David Cronenberg. Ao entrar no cinema, sala mais cheia que esperava. Ao lado do assento que selecionei quando a sala ainda estava limpa no mapa, um jovem acompanhado da família. Havia outras famílias. Sento. Levanto. Vou para o corredor. Passam por mim um bando de meninas em busca de um vampiro. Espero a hora de começar o filme e procuro um lugar sozinho, longe. As meninas riem, nervosas. Atrás de mim alguém devora um saco barulhento de alguma coisa. Enquanto reflexões sobre o capitalismo dialogam na tela, bocejos sussurram na sala escura. Um levanta, depois outro. Enquanto as vísceras do mundo contemporâneo são expostas,  pessoas desanimam. Menos as meninas, que continuam suspirando a cada pedaço de carne esbranquiçada do protagonista. Ao final, um homem bate palmas de forma intensa, e lamenta - Mas que merda! As famílias que vieram atrás do galãzinho hollywoodiano saem decepcionadas. Não era esse o espetáculo que esperavam. Eu, deslocado da poltrona que me cabia, assisto a tudo, sozinho.

domingo, 2 de setembro de 2012

Laura em um instante


Há uma sabedoria popular que diz que a diferença entre o remédio e o veneno é a quantidade. Comigo não foi bem assim. As pequenas doses diárias de Laura quase me mataram de saudade. Mas foram elas que mantiveram minha sanidade. Dia 6 completam 6 meses que comecei a consumir as Pílulas de Laura. Nesse período, aprendemos a dialogar, dividimos prazeres e rotinas, rimos juntos. A partir de agora, não precisarei mais de um monte de fotos pra preencher qualquer espaço. Aprendi com minha pequena que a alma é feita de câmaras, algumas de vazios perpétuos - ou nunca foram ocupadas ou, quando abandonadas, nunca mais serão. Outras, são como uma Sala Precisa, que se amplia e se mobilia de acordo com a necessidade do coração.
O amor de Laura é preciso. Já viver...

Balão


Foi no fim do verão, quando o céu ficou cinza, queu perdi meu balão. Desde então, como um anjo ou maldição, sua sombra paira sobre minha cabeça.
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Imagem de Laurent Chehere. Tanto Laurent quanto a Pixar inspiraram-se no filme Balão Vermelho.