sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Vestido de Noiva


Melancholia. Ao entrar para o banho quente, repensei o quanto me perturbei com um filme visto no início de julho e que, afinal de contas, é apenas uma grande síntese da vida. Certamente, diferentemente de alguns outros, o meu incômodo não estava na Grande Verdade revelada, mas sim na presença da criança diante de tais circunstâncias. Espelhamento na Laura, certamente. Talvez algum traço de melancolias de infância, vai saber. Mas, então, percebi. Como uma epifania, entendi o abandono de tudo, a desistência de todos, a espera amarga. Quando tantos veem festa, Justine só enxerga fim. Onde tantos veem arte, ela só enxerga fim. As certezas científicas que tantos veem, ela só vê fim. As convenções não fazem sentido, as cerimônias, reverências e ambições. Tudo é fim. Um a um será abandonado, até o momento que todos começam a enxergar o fim. E aí, então, vem a serenidade. Pelo menos a de Justine. É diante da porta de saída que seu olhar se volta para a única coisa que interessa - a criança, a única personagem que nunca teve condições de entender o que se passava. Infelizmente, não haverá tempo para seu amadurecimento. Enquanto der, aí sim cabe a simulação, o jogo, a encenação.
Entendo bem o que é abandonar o que ninguém teria coragem. Entendo também o que é tentar enquanto tantos pensam em desistir. Curiosamente, como Justine, eu entendo. Que a caverna mágica nos proteja.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Point Reyes


                              Barco perdido
                                  jaz encalhado.
                              Maré vazante,
                                  abandono de casco
                              em meio à partida.
                              Não há portos a alcançar
                                  nem beijos de despedida.

                              Vento sentido
                                  em tudo parado.
                              Faca cortante,
                                  tecidos em rasgo.
                              Ilha que espera
                                  que o mar lhe retorne.
                              Horizonte vazio
                                  aponta pro norte.

domingo, 19 de agosto de 2012

Y


Nas voltas que a vida dá, não procure por uma história, ela não estará lá. Como nos quadrinhos dos irmãos Moon&Bá, os personagens se alternam de um quadro ao outro pra apresentar uma ideia, e no filme 360 de Fernando Meirelles o que está em foco é o momento preciso no qual escolhemos um caminho. Profissões, riscos, amores, traições, lembranças e esquecimentos, chegadas e partidas. Depois de feita uma escolha, novas bifurcações surgem e, assim, um labirinto se forma em torno de nós, que nos possui, que nos encerra. Difícil supor que, bastando querer, seja possível recomeçar. Teria o amor esse poder?
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Para conhecer os irmãos Moon&Bá, uma olhadinha nas tiras de Quase Nada.

A felicidade é azul


Hoje foi um dia muito especial. Começou com três horas intensas de homenagens rendidas pela minha pequena, com direito a palavras carinhosas, muito afeto e, até, canto e dança. Depois disso, o resto do dia se apresentaria sem graça, apenas mais um jogo da existência humana pra cumprir tabela. Até a hora de assistir ao Um Evento Feliz que me fez, em menos de duas horas, reviver os últimos 55 meses. Enquanto a protagonista Barbara atravessa os diferentes planos azulados da película, eu resgatava todos os sentimentos acometidos desde o primeiro movimento em direção à paternidade e tudo que o cerca. Obviamente, para fazer tanto sentido, o papel do pai precisava ser secundário. Mas a sua presença - ou ausência - está espelhada nas desventuras da mãe, com seus encantamentos e desesperos, e o quanto isso atinge o casal. Mesmo nos momentos mais amargos, o filme não abandona seu tom leve de humor, com direito ao final que todos os que passam por suas crises sonham. Como diz Orson Welles, 'se você quer um final feliz, ele depende, claro, de onde você vai terminar sua história'. Nas comédias românticas, todo mundo sabe onde parar.
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E depois disso, de lambuja ainda assisti ao filme mais badalado da Festival Varilux de Cinema Francês, o Intocáveis, que realmente é uma comédia muito boa. Vale a pena conferir.
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Nada mais lindo que uma grávida.

domingo, 12 de agosto de 2012

Charlie Best


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É uma das garotas mais lindas que vi em muito tempo - de chorar de linda. Alguém como ela só deveria existir aos domingos. As pessoas acham que uma garota chega e eu fico: 'Tá, que seja.' Não. Sou como um pirralho de 9 anos sentado com o amigo, dizendo 'Deus do céu!'
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Charlie Sheen
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Todos nós já tivemos 9 anos. Foi mais ou menos lá que começamos a testar as possibilidades, a tentar perceber até onde poderíamos. A partir dali começa uma vida na qual uns serão leões, alguns, hienas e um monte de outros, apenas herbívoros, ocultos no mato, escondidos. Enquanto leio a entrevista na Rolling Stones, assisto ao encerramento dos jogos olímpicos, com seus atletas marombados, roqueiros rodados, modelos turbinadas e penso no Parker que assisti na sexta-feira e o desejo dos nerds de todos os cantos do planeta de ganhar uns gramas de músculos e a lourinha do baile, com seus quadrinhos na mão, a cara colada na tela e o poster do Jobs na porta. O grão-geek e toda sua fortuna tem seu altar, mas o sonho encubado continua sendo descrito pelas palavras de George Best: 'Gastei toda minha fortuna com bebidas e mulheres. O resto, eu desperdicei'.

sábado, 11 de agosto de 2012

O mercado invadiu quase tudo


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Estamos virando uma sociedade de mercado, adotando um estilo de vida no qual invadem quase tudo em nosso cotidiano. Minha preocupação é que isso nunca foi debatido. Escolhemos viver assim? O dinheiro deve valer mais do que outros bens e práticas sociais? Ele deve invadir, como vem invadindo, vida familiar, amizade, sexo, procriação, juventude, educação, natureza, arte, esporte e até como encaramos a morte? 
As famílias, as escolas, são um espaço ótimo. As crianças devem ter aulas de debate, devem ser estimuladas  pelos pais a pensar e discutir questões que afetam o seu dia a dia. O que acontece atualmente, em escolas, ou mesmo em famílias, é adultos substituírem o gosto pelo aprendizado por dinheiro.
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Michael J. Sandel
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Não há espaço para o debate e para pensar a vida quando a escola tem apenas duas opções: ou se preocupa com o mercado de trabalho, ou é depósito de jovens. Trecho adaptado da entrevista publicada em O Globo de 11.08.12

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

The idler wheel is wiser than the driver of the screw and whipping cords will serve you more than ropes will ever do

A Playboy de julho já a apresentara como a mulher fruta da estação. A Rolling Stones elogiou seu clipe e suas esquisitices. Hoje, Dapieve já inicia seu texto com um 'Oh, Fiona!'. Para quem gosta de sons incomuns, uma boa pedida. Não à toa, tocou a semana inteira na minha vitrola.

domingo, 5 de agosto de 2012

Cronos

Só eu sei o que vivi quando você, pequena, estava em meu colo. Percebi tudo que tínhamos e que perdemos. Só que agora eu era o pai. Só eu sei o que senti quando vi você rosa, rechonchuda, berrando infinitamente. Todo o resto se foi, o vazio mudou de lugar, e o caminho surgiu. Você tornou-se sentido, e, surpreendido, enxerguei pela primeira vez que espaço ocupar.
O vazio em mim ficou, não há nada a colocar. O que me resta é acompanhar os passinhos, tentando seguir o caminho, até ver onde vai dar.
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Tudo isso porque vi A Árvore da Vida, meio que um 2001 às avessas, com direito a drama edipiano e um final com gosto de Lost. Num mundo apresentado entre a natureza e a graça, pela primeira vez pensei em máquinas como coisas tão orgânicas, geradas no ventre do animal-cobiça. Mas isso são outros quinhentos.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Cinefilia



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Atualmente, a 'cinefilia' soa quase como um vício sexual; talvez tenha sido. Há um mundo secreto, próprio do cinema, que só alguns ainda conhecem. Hoje o cinema é nu. Está exposto nas lojas, feiras e bancas de jornais, está nos hotéis, na ponta dos dedos dos insones, está nas TVs, está rodando bolsinha nas ruas.Tenho saudades da sala escura, do cinema segredo, do cinema dos pobres tímidos e solitários, do cinema como realidade alternativa que analisávamos noite adentro nos bares. Como era bom esperar um filme do Fellini, e o novo Antonioni, e o novo Godard...
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Talvez seja esta a "essência" do cinema: registrar a morte comendo a vida. Hollywood é um lancinante cemitério de estrelas. São beijos e olhos e corpos embalsamados no tempo da película. Fred Astaire dança no ar do nada, James Dean anunciava a morte em sua melancolia trágica. Sei como dói amar uma morta - eu que me apaixonei por Brigitte Helm em Metrópolis e amei as pernas perfeitas de Louise Brooks e Cid Charisse, na necrofilia da sala escura.
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Arnaldo Jabor

Texto adaptado de 'Tenho saudades da 'alma' do cinema', publicado no Estadão de 10.07.12. A íntegra pode ser vista aqui.