domingo, 14 de outubro de 2012

Campo dos Sonhos


Um dia, cumprindo obrigação burocrática de preencher ficha com tudo que é número que nos representa, fui alertado pela menina que me atendia que havia uma quantidade considerável de setes presentes naquilo que me identificava. Não achei muito razoável, e nem o sete é meu número preferido. Mas não esqueci. Por mais que para mim não fizesse sentido, parece que, para alguém, fazia.
Os senhores que comandam esse mundo devem entender disso. Depois de tanto tempo, agora acho que  consigo ler seus desígnios, observando com calma como escrevem a minha experiência vivida em números. Pois então, vejamos: nesses últimos 43 anos, houve duas pessoas que foram centrais em minha vida e, com cada uma, convivi quatorze anos. A primeira se foi por determinações do Destino e sua Irmã mais velha, sempre tão implacável. A segunda, pelos caprichos de Desejo e Destruição. Entre as duas, infinitos quatorze anos governados por Delírio e Desespero. Tempo, aliás, que espero que não volte.
Parece que uma nova fase se avizinha, e a última entidade perpétua que me sobra é o Senhor dos Sonhos. Talvez não mais os meus. Acho que nunca falei muito bem sua língua, o que sempre me causou problemas de tradução. Agora, uma outra fala por mim. Tenho uma pequena criatura que comanda meus passos, e me deixa meio refém de sua visão de mundo tão complexa e do baú sem fundo de possibilidades que a contém - afinal, quanto mais jovens somos, mais fundo fica, e ela mal é uma criança. Desde o quarto carnaval de sua existência ela me explica cada vez melhor as coisas, me orienta sobre o que é necessário fazer e me indica que caminhos estamos trilhando. Mas, como deve ser óbvio, não é nada objetivo. Ela se mostra repleta de fantasias, sua linguagem não trata do mundo concreto. Seus olhos estão além, em algum ponto que não iremos chegar, mas que, certamente, nos levará a algum lugar.
Eu também já fui criança. Sonhei sonhos que parecem que foram levados para uma outra realidade, onde eu não seria um, seria dois. Cresci e, quando achei que finalmente seria dois, percebi que mal era um. O Velho da Areia me deixou pouca coisa, mas não tenho do que me queixar. Seus pesadelos também se foram e agora, através de toda a imprevisibilidade de um outro - não mais um duplo, muito menos um complemento, e tão dramaticamente não outro eu -, quem sabe mais quatorze anos para viver.

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