O que faz de alguém um gênio? Além das habilidades motoras, sempre penso o quanto diferencia o olhar que temos sobre o mundo, e porque saímos da letargia e produzimos alguma coisa que foge ao essencial. Observando figuras controversas por suas atitudes, reflito sobre o quanto isso pesa em sua obra, e mesmo a necessidade de fazê-la. Quanto da degradação de Amy Whinehouse está em suas letras? Quanto da destemperança de Zidane está em suas motivações? Não basta a precisão técnica, o gênio toca os sentidos e supera os desafios, físicos e emocionais, que se apresentam pelo caminho.
O que faz Nina tornar-se genial? Sua trilha está exposta, e podemos ser enganados acreditando que entendemos o caminho que trilhou. Passamos muitos minutos observando através de seus olhos perturbados, que distorcem qualquer sentido racional. De tudo que vimos, o quanto é ilusão de uma mente insana? Quantos personagens foram criados por ela?
Aronofsky não facilita nossas vidas, mas nos dá uma dica: na dúvida, olhe para os espelhos. Através deles, Nina enxerga um mundo próprio, constantemente em conflito com o que está do lado de fora. Encontros são antecipados, antagonistas criados, e rostos se sobrepõem, nos deixando confusos sobre quem é o quê. Não nos esqueçamos que nunca saímos da cabeça de Nina, nem mesmo no seu último ato, quando fica uma última pergunta: o que foi que terminou?
Abaixo, uma emeio que seria enviado para o Xexéo por sua crítica em O Globo, mas que não saiu deste computador. Expõe minha interpretação do filme com mais detalhes.
Caro Xexéo,
Gostei muito do Cisne Negro e, após assistir o filme, tenho procurado as críticas para olhar por outros olhos. Gosto de ler inclusive as negativas, na tentativa de ter a melhor compreensão do espetáculo. Por exemplo: como leigo em balé, achei agradável a apresentação das dançarinas. Foi bom ver uma análise mais apurada sobre a qualidade da dança.
A leitura que fiz do filme tem sido diferente do que tenho lido dos críticos. O mais próximo do que vi foi a análise apresentada na quinta-feira (desculpe-me, esqueci o nome do crítico). De uma maneira geral, o filme é apresentado como a história de uma bailarina que, sob a pressão de alcançar a perfeição, enlouquece. Pra mim, Nina nunca pareceu bater bem da bola. Nina antevê a sua antagonista antes de ser apresentada – duplicando seus gestos, sempre representada em negativo. Sua relação doentia com a mãe, limitada ao apartamento preso no tempo. Sua obsessão pela primeira bailarina representada pela coleção de objetos roubados. “Nina nunca sabe o que é realidade e o que é fantasia. Tudo bem. A personagem é assim. O problema é que o espectador também não sabe, e, após a primeira ou segunda surpresa, o truque perde a graça”. Concordei com quase tudo, só não entendi o recurso como truque: ele é a própria estrutura da história. Todas as cenas são através do olhar de Nina, perturbada, incoerente, delirante. Nina sonha com o Lago dos Cisnes antes de ser anunciado. Reconhece Lilly antes de ser apresentada, e esta sempre aparece em momentos cruciais. Sua mãe aparece e desaparece do apartamento, por vezes sua voz confunde-se com a da filha. Seu sentimento dúbio em relação à Beth termina em sangue.
Aronofsky não facilita. Não sabemos o que é verdade ou ilusão. Não tenho certeza sobre a existência da mãe de Nina ou mesmo de Lilly. Tudo que temos é o que Nina nos conta, e esse é o seu processo de criação, que resultará em um cisne negro ovacionado. Se não, vejamos: sua mãe reprime uma jovem adulta, prendendo-a num corpo de bailarina perfeccionista o suficiente para realizar um bom cisne branco. Seu príncipe do sonho é Thomas, que está o tempo todo entre ela e uma outra, seja Beth, Verônica ou Lilly. É necessário um cisne negro, e Lilly cumprirá bem esse papel. A masturbação, tão necessária para o processo de libertação, é impedida inicialmente por uma mãe imperceptível, alojada em um canto do quarto. Esse problema só será resolvido quando Nina consegue enfrentar a mãe e dormir com Lilly, sua irmã de asas negras, mais que sua cara-metade, a sua própria cara. Nina, após apresentar-se como cisne branco, precisa eliminar Lilly e tomar seu lugar como cisne negro. Somente após o ato terminado, Nina retorna a posição de vítima, a menina que precisa ser libertada do corpo de cisne. Onde tantos veem destruição, o que vi foi, mesmo que doentia, uma forma de construção. O quanto de loucura não haverá na genialidade?
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Abaixo, uma emeio que seria enviado para o Xexéo por sua crítica em O Globo, mas que não saiu deste computador. Expõe minha interpretação do filme com mais detalhes.
Caro Xexéo,
Gostei muito do Cisne Negro e, após assistir o filme, tenho procurado as críticas para olhar por outros olhos. Gosto de ler inclusive as negativas, na tentativa de ter a melhor compreensão do espetáculo. Por exemplo: como leigo em balé, achei agradável a apresentação das dançarinas. Foi bom ver uma análise mais apurada sobre a qualidade da dança.
A leitura que fiz do filme tem sido diferente do que tenho lido dos críticos. O mais próximo do que vi foi a análise apresentada na quinta-feira (desculpe-me, esqueci o nome do crítico). De uma maneira geral, o filme é apresentado como a história de uma bailarina que, sob a pressão de alcançar a perfeição, enlouquece. Pra mim, Nina nunca pareceu bater bem da bola. Nina antevê a sua antagonista antes de ser apresentada – duplicando seus gestos, sempre representada em negativo. Sua relação doentia com a mãe, limitada ao apartamento preso no tempo. Sua obsessão pela primeira bailarina representada pela coleção de objetos roubados. “Nina nunca sabe o que é realidade e o que é fantasia. Tudo bem. A personagem é assim. O problema é que o espectador também não sabe, e, após a primeira ou segunda surpresa, o truque perde a graça”. Concordei com quase tudo, só não entendi o recurso como truque: ele é a própria estrutura da história. Todas as cenas são através do olhar de Nina, perturbada, incoerente, delirante. Nina sonha com o Lago dos Cisnes antes de ser anunciado. Reconhece Lilly antes de ser apresentada, e esta sempre aparece em momentos cruciais. Sua mãe aparece e desaparece do apartamento, por vezes sua voz confunde-se com a da filha. Seu sentimento dúbio em relação à Beth termina em sangue.
Aronofsky não facilita. Não sabemos o que é verdade ou ilusão. Não tenho certeza sobre a existência da mãe de Nina ou mesmo de Lilly. Tudo que temos é o que Nina nos conta, e esse é o seu processo de criação, que resultará em um cisne negro ovacionado. Se não, vejamos: sua mãe reprime uma jovem adulta, prendendo-a num corpo de bailarina perfeccionista o suficiente para realizar um bom cisne branco. Seu príncipe do sonho é Thomas, que está o tempo todo entre ela e uma outra, seja Beth, Verônica ou Lilly. É necessário um cisne negro, e Lilly cumprirá bem esse papel. A masturbação, tão necessária para o processo de libertação, é impedida inicialmente por uma mãe imperceptível, alojada em um canto do quarto. Esse problema só será resolvido quando Nina consegue enfrentar a mãe e dormir com Lilly, sua irmã de asas negras, mais que sua cara-metade, a sua própria cara. Nina, após apresentar-se como cisne branco, precisa eliminar Lilly e tomar seu lugar como cisne negro. Somente após o ato terminado, Nina retorna a posição de vítima, a menina que precisa ser libertada do corpo de cisne. Onde tantos veem destruição, o que vi foi, mesmo que doentia, uma forma de construção. O quanto de loucura não haverá na genialidade?
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