sábado, 10 de julho de 2010

Orgulho e preconceito



     
A grande surpresa da Copa do Mundo de 2010 se despede provocando pequenas ironias. A Alemanha renascida é uma seleção dos novos tempos, multi-étnica e globalizada. Num mundo onde o mercado profissional é mais importante que os valores nacionais, o cérebro germânico Shweinsteiger deve ter problemas para falar em alemão com seus compatriotas. Talvez por isso cantasse o hino quase que sozinho. Mas foi uma grande alegria ver que, no país que conseguiu superar o Apartheid, a Alemanha consegue refazer sua história. Não só os turcos imigrantes na Alemanha viam com bons olhos a escolha de seus filhos pela nacionalidade alemã em detrimento da turca. Como foi publicado no Globo de 07.07.10, até em Israel havia simpatizantes ao selecionado germânico.
Bom, nem todos. Para o sobrevivente do Holocausto Zeev Wolf, é "simplismente uma desgraça que a equipe alemã tenha tantos fãs em Israel". Concorda com ele 'Blaue Narzisse', como se autodenomina um membro de um grupo neonazista em declaração a revista 'Der Spiegel', publicada em O Globo de 06.07.10. Para ele, "as cores da bandeira estão sendo abusadas neste megaevento por esse time alemão multicolorido". Para 'NSRealist', "Özil, Khedira, Cacau, Podolski podem se jogar em um lago. Nós não precisamos deles. Os outros são bons o suficiente".
Em contraposição, o eternamente lúdico carrossel holandês dá lugar a uma máquina de vitórias. De forma mais contida, resguardada e burocrática, a seleção holandesa chega a uma final depois de 32 anos com a cara da velha Alemanha. Não é mágica como a geração duas vezes finalista nos anos 70, nem refinada como a geração dos anos 80 e 90, com equipes repletas de craques que ganharam tudo em seus clubes mas que não tiveram nem a chance de serem campeões mundiais. Curiosamente, assim como a vitoriosa seleção francesa do franco-argelino Zidane e a talentosa seleção alemã do Mesut Özil, a Holanda de Gullit a Seedorf também tinha um elenco multi-étnico, indo da América Central ao Mediterrâneo. Mas não deixou de viver com conflitos internos, surgindo até acusações de racismo. Parece que os dois problemas foram deixados para trás. A seleção holandesa reencontrou o caminho para a Grande Final e, embranquecida, não pode ser mais acusada de preconceituosa.
Abaixo, a lista étnica alemã e matéria de O Globo sobre as relações entre Holanda e Suriname.
 
Suriname escolhe o Brasil

Sem astros locais na seleção holandesa, torcida muda de lado

Panamaribo, a capital do Suriname, não foi unanimidade na torcida pela Holanda, mesmo nos tempos em que diversos jogadores nascidos ou com raízes na ex-colônia faziam parte do time principal. Agora que a equipe titular tem apenas um representante, o descendente de imigrantes Nigel De Jong, a tendência é de uma proporção ainda mais favorável em relação aos pentacampeões. O lateral reserva Edson Braafheid é o único nascido no Suriname. Os atacantes Ryan Babel e Eljero Elia também são de famílias de imigrantes. No duelo entre os países em Copas, gols surinameses fizeram parte dos resultados dramáticos.
Na partida pelas quartas da Copa dos EUA, em 1994, Aron Winter marcou o segundo gol holandês na vitória brasileira por 3 a 2. Quatro  anos mais tarde, Patrick Kluivert, de cabeça, empatou o duelo pelas semifinais do Mundial da França. A influência sul-americana, por sinal, fez-se presente no único título internacional conquistado pela Holanda em toda a sua história, a Eurocopa de 1988, quando três surinameses - Ruud Gullit, Frank Rijkaard e Geral Vanenburg - faziam parte da espinha dorsal da seleção.
Mais recentemente, a última conquista da Liga dos Campeões da Uefa por um clube holandês ocorreu com um Ajax repleto de surinameses (seis de 11 jogadores). No entanto, a presença da ex-colônia na seleção tem decrescido por uma combinação de fenômenos, entre eles uma estranha orientação dos principais times holandeses pelo uso de africanos em suas divisões de base.
- É algo inexplicável. Se existe uma história de sucesso com o Suriname, incluindo o caso de alguns dos melhores jogadores de todos os tempos, como Gullit, não entendo por que diabos os clubes holandeses decidiram procurar jogadores em outra parte do mundo. O resultado é que nossa comunidade vai estar mais do que nunca ao lado do Brasil na partida de amanhã ( 02.07.10) - afirma Humberto Tan, jornalista e escritor surinameês, autor de um livro e de um documentário sobre a presença da ex-colônia no futebol laranja.
A questão também envolve uma redução nos talentos disponíveis. Além de restrições à entrada de imigrantes surinameses desde a independência da colônia, em 1975, há a questão da ascensão social da turma estabelecida na Holanda.  Levantamentos mostram que a transição dos surinameses de classes mais baixas para a média tirou dos campos futuros talentos.
- Muitos garotos hoje vivem melhor e, sobretudo, longe dos grandes conjuntos habitacionais, em que os apartamentos são tão apertados que a molecada passava o dia jogando futebol na rua. Hoje, lá estão os imigrantes marroquinos, por exemplo. Uma pena, pois os surinameses ensinaram os holandeses a se divertir e relaxar um pouco mais em campo -- diz Tan.
O Globo, 02.07.10

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