domingo, 4 de julho de 2010

Alemanha impura

Os uniformes negros estão de volta. Para os amantes do bom futebol, é uma grande alegria ver a seleção de futebol da Alemanha retornar ao cenário como uma potência a ser não só respeitada como temida. Curiosamente, quando ainda se duvidava da capacidade desta seleção de superar os desafios, era comum lembrar, às vésperas do confronto com a celebrada seleção inglesa, que uma única vez os alemães não ficaram entre os oito primeiros. Foi justamente a seleção purificada de 1938, que expurgou jogadores de origem judaica e foi fortalecida pelos arianos austríacos de origem germânica tão admirados na Europa da época. Eliminados na primeira fase, tornaram-se uma das tentativas fracassadas de Hitler de provar a superioridade de sua raça. Contrariamente àquela, esta é uma seleção multicultural, feita por poloneses, turcos, tunisianos, ganeses. Impura, rejuvenecida e brilhante Alemanha de 2010.
Para ver mais sobre a relação entre etnia e futebol, ver Wapedia, UOL Educação, MSM e Futebol para Meninas. Para ver como em alguns países esta questão ainda não está bem resolvida, leia texto abaixo publicado em O Globo. A imagem refere-se ao primeiro uniforme da seleção alemã, no qual o atual se baseia, de acordo com o Tira-teima.


Uma mancha ainda maior


Após a humilhação e volta para casa, seleção francesa gera debate sobre identidade nacional. Jogadores, como o capitão Evra, são acusados de não serem franceses por, entre outras razões, não cantarem o hino.

Depois de a França ser chutada da Copa do Mundo na terça sem ganhar um jogo – entre cenas de egoísmo, indiferença e indisciplina –, a mídia francesa destacou a humilhação do país e o mau comportamento de seus jogadores. Houve pedidos para uma reestruturação completa da seleção francesa: sua comissão técnica, seu método de escolha de jogadores e seu treinamento.
Mas há mais aspectos problemáticos na reação da derrota, que foi enfatizada na falta de patriotismo, valores e honra nacional em uma equipe com muitos integrantes negros ou mestiços e descendentes de imigrantes.
O filósofo Alain Finkelkraut, crítico ao fracasso na assimilação da imigração, comparou os jogadores aos jovens que protestam nas banlieues, os guetos dos subúrbios da França.
- Nós agora temos a prova que a equipe francesa não tem nada de equipe, mas de uma gangue de hooligans que sabem apenas a moral da máfia – disse em entrevista no rádio.
Enquanto a maioria dos políticos tem conversado de forma cuidadosa sobre valores e patriotismo, em vez de imigração e raça, alguns legisladores, de acordo com o noticiário, atacaram os jogadores ao chamá-los de “escória”, “pequenos encrenqueiros” e “com grão de bico na cabeça no lugar do cérebro”.
Fadéla Amara, secretária de Estado para Políticas Urbanas e que é filha de argelinos, alertou que a reação à derrota da seleção se tornou racista.
- Há uma tendência de tornar uma discussão étnica sobre o que aconteceu – disse, de acordo com o noticiário, em uma reunião do partido do presidente Nicolas Sarkozy. – Todos condenam os bairros de classe baixa. As pessoas duvidam que aqueles que vêm de famílias de imigrantes são capazes de respeitar a nação.
Ela criticou a maneira como o presidente Sarkozy lidou com o debate sobre a “identidade nacional”, alertando que “todos os democratas e todos os republicanos vão se perder” nessa crítica tingida de debate étnico sobre a seleção francesa, os Bleus. “Nós estamos construindo uma via expressa para a Frente Nacional”, disse, em referência ao partido de extrema-direita, anti-imigrante e antimuçulmano fundado por Jean-Marie Le Pen.
Philippe Téart, estudioso da história do esporte do Instituto de Estudos Políticos de Paris, disse que a tendência do racismo não é saudável, mas que era um dos resultados previsíveis na derrota da Copa do Mundo.
- A França está confusa sobre sua identidade e desconfortável com o crescimento do número e, por vezes, atitudes de seus imigrantes e dos filhos destes – disse. – É certo que nós estamos passando na França por questões de desobediência, falta de civilidade e perda de rumo, e esse grupo de jovens irritados é um reflexo preciso dessas questões.
Em 1998, a seleção francesa que ganhou o Mundial foi amplamente elogiada por sua natureza multiétnica – negros, brancos e árabes –, vistos como símbolo de uma nação com diversidade. Mas, hoje, Tétart diz, a conversa é oposta diz, a conversa é oposta:
- Os jogadores atuais vêm de uma geração que veio das banlieues, e não necessariamente têm um passado cultural para compreender o que fizeram.
Luc Chatel, ministro da Educação, disse no sábado que estava “terrivelmente aborrecido” e chocado com Raymond Domenech, o técnico da seleção, que foi culpado por parte da desunião da equipe e que se desculpou ao país pelo fracasso.
- Mas eu vou além – completou. – Fico surpreso com um capitão da seleção francesa que não canta “A Marselhesa” (o hino francês). Quando alguém veste a camisa, deveria estar orgulhoso de vestir as cores, você é um exemplo.
Ele falava de Patrice Evra, nascido no Senegal e que foi pego no meio da briga de jogadores e técnico quando o elenco se recusou a treinar após Nicolas Anelka ser cortado da seleção.
Na quarta, Sarkozy se reuniu com o primeiro-ministro, François Fillon; a ministra de Esportes, Roselyne Bachelot; e a secretária de Esportes, Rama Yade. Ordenou que “rapidamente extraiam lições do desastre” e exigiu que os jogadores não recebam “gratificações financeiras” pela participação na Copa. A partir de outubro, o governo iniciará uma “reflexão conjunta sobre o futebol francês”.
Ontem foi a vez de Thierry Henry se reunir com o presidente. A preocupação de Sarkozy rendeu críticas da oposição.
- É lamentável que o presidente transforme a seleção em uma questão do Estado – disse a Secretária Nacional do Partido Verde, Cécile Duflotpolítica.
Não é recente o debate sobre a composição racial da seleção entre a extrema-direita. Entre o elenco da seleção, 13 não são brancos, dos quais dois são nascidos em territórios franceses. Marine Le Pen, vice-presidente da Frente Nacional e filha de seu fundador, disse que não se vê representada no time, onde os jogadores se comportam como indivíduos, não como uma equipe, e que estavam “lutando mais por contratos de publicidade do que por um país”:
- A maioria deles considera em um momento que representa a França na Copa do Mundo e, no momento seguinte, que é parte de outra nação ou que tem outra nacionalidade no coração.
No desagravo, em que cuidadosamente não mencionou – faz insinuou – raça ou etnia, faz eco ao pai, que, em junho de 2006, criticou a seleção por conter muitos jogadores que não são brancos e por falhar ao refletir a sociedade. Também criticou duramente os jogadores por não terem cantado “ A Marselhesa”, dizendo que não eram franceses.
Na terça, Jean-Marie Le Pen disse que “o mito do antirracismo é um mito sagrado na França”. Acrescentou que odeia políticos que fazem da seleção nacional uma “bandeira do antirracismo em vez do esporte”.
A linguagem do ministro Chatel ressoa na temática de Le Pen. Isso reflete, dizem críticos, no esforço de Sarkozy em enfraquecer a extrema-direita ao usar o mesmo discurso de patriotismo, nacionalismo e identidade.
O Globo, 25.06.10

8 comentários: